A Polícia Civil de São Paulo investiga quadrilhas especializadas em comprar, armazenar e vender dados pessoais de brasileiros para aplicar golpes cada vez mais sofisticados por telefone. O acesso ilegal a informações sigilosas — como nome completo, CPF, endereço, renda e dados bancários — alimenta uma indústria clandestina que funciona à margem da lei, com estrutura e logística comparáveis às de empresas formais.
A engrenagem do crime
No Centro de São Paulo, em meio a lojas de eletrônicos, um vendedor indica discretamente um caminho para outro tipo de comércio: o de dados pessoais. Em poucos minutos, ele oferece o contato de quem fornece listas com informações privadas de milhares de pessoas.
“Me chama no WhatsApp que eu te mando o nome e você vê direto com ele”, diz, sem constrangimento.
A equipe do Jornal Nacional contactou um desses fornecedores. O golpista, ao telefone, explica o alcance do negócio:
— “Brasil inteiro, para você ter ideia, é uns 90 gigas, mano. A lista é bem atual e completa: pessoa física, jurídica, por CPF, CNPJ, nome masculino, feminino, operadora…”
Segundo ele, o pacote básico inclui nome, telefone, endereço e CPF. Informações mais sensíveis, como benefícios sociais e dados de empréstimos consignados, também podem ser adquiridas.
A operação não exige grandes habilidades: basta o telefone da vítima para que o criminoso obtenha seu CPF e, com ele, acesso a um dossiê quase completo — profissão, renda, parentes e histórico financeiro.
Tecnologia a serviço do golpe
Com as informações em mãos, a abordagem telefônica é a etapa final. Para enganar a vítima, as quadrilhas clonam números oficiais de bancos e agências. No visor do celular, aparece o mesmo telefone do gerente real da instituição.
O delegado Adair Marques Correa Junior, da Polícia Civil de São Paulo, explica:
“Eles mascaram a ligação para que o número exibido seja o do banco. Isso dá credibilidade e reduz a desconfiança da vítima.”
Um produtor de TV foi alvo da prática. O golpista sabia sua agência, conta, endereço, data de nascimento e afirmou que havia uma tentativa de transferência suspeita. O número exibido era, de fato, o do banco.
“Se o senhor puder confirmar, o senhor consegue ter maior credibilidade no atendimento”, insistiu o criminoso.
Quando a confiança vira prejuízo
A estratégia funcionou com um empresário que prefere não se identificar. Ele recebeu uma ligação supostamente do gerente e acessou um link idêntico ao site oficial do banco. Inseriu usuário e chave de segurança. Em poucas horas, os criminosos fizeram 35 transferências, somando mais de meio milhão de reais.
“Eles sabiam da minha rotina, dos meus dados, de tudo. Eu não desconfiei”, relata.
O mercado da informação roubada
A venda de dados acontece em grupos clandestinos nas redes sociais, em plataformas de mensagens criptografadas e até em pontos de comércio informal. Segundo a investigação, o material é obtido a partir de sucessivos vazamentos, invasões de sistemas e compartilhamento entre redes criminosas.
O cruzamento dessas bases permite que os golpistas criem perfis completos das vítimas — e, com isso, evitem erros amadores que antes denunciavam a fraude.
Trata-se de um modelo industrial: um grupo coleta dados, outro os organiza, um terceiro realiza as ligações falsas. No fim da corrente, a vítima entrega informações acreditando estar protegendo sua própria conta.
Como se proteger
O delegado reforça que a defesa mais eficaz não é tecnológica — é comportamental:
“Mesmo que a ligação pareça confiável, desligue e ligue você para o canal oficial do banco. A pressa e o pânico são armas dos golpistas.”
Especialistas lembram ainda:
- bancos não pedem senhas por telefone;
- links enviados por mensagens devem ser ignorados;
- qualquer ligação que pressione a vítima exige cautela imediata.
Um crime que muda de roupagem, mas não de objetivo
O que antes era golpe por SMS ou ligação improvisada se tornou uma operação profissional, com hierarquia, investimento e tecnologia. Os criminosos seguem um padrão corporativo: estudam o consumidor, dominam sua linguagem e exploram falhas emocionais — principalmente o medo de perder dinheiro.
Enquanto o Brasil aprimora mecanismos de segurança digital, quadrilhas reinventam estratégias para transformar um recurso simples — o telefone — em uma das armas mais lucrativas do crime moderno.


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