Informações sigilosas de processos envolvendo crianças e adolescentes que responderam por atos infracionais — e que, por lei, deveriam ser totalmente protegidas — foram encontradas publicadas em sites jurídicos como Escavador e Jusbrasil.
O g1 apurou que o vazamento expôs nomes, idades e detalhes das ocorrências, permitindo que jovens fossem identificados em buscas simples na internet. Desde então, o caso tem provocado demissões, abandono escolar e episódios de constrangimento entre os atingidos.
A origem da falha ainda é desconhecida, mas a Defensoria Pública de São Paulo trata o episódio como inédito e grave.
1. Como o vazamento veio à tona
O problema foi identificado por equipes de serviços de medidas socioeducativas, que perceberam que adolescentes acompanhados por eles estavam aparecendo nominalmente na internet, algo proibido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Um dos serviços encontrou 40 nomes expostos apenas em uma região de São Paulo.
A partir daí, a Defensoria passou a receber denúncias de forma contínua e já contabiliza mais de 50 casos confirmados — número que, segundo o órgão, deve ser muito maior.
Os dados divulgados incluem:
- nome completo;
- idade;
- detalhamento do ato infracional, como furtos ou outros crimes patrimoniais.
“É algo completamente inédito. Estou na Infância há quase dez anos e nunca havia visto qualquer tipo de vazamento. Esses processos têm camadas de sigilo”, afirmou Gabriele Estabile Bezerra, coordenadora auxiliar do Núcleo da Infância da Defensoria.
O ECA proíbe qualquer divulgação que permita identificar adolescentes envolvidos em atos infracionais, com multa de 3 a 20 salários de referência, dobrada em caso de reincidência.
2. O que pode ter causado o vazamento
A Defensoria trabalha com três principais linhas de suspeita:
- Publicações judiciais sem ocultar nomes, inclusive em varas criminais, onde adolescentes teriam sido citados nominalmente.
- Casos envolvendo advogados, nos quais decisões teriam sido publicadas no Diário de Justiça Eletrônico de forma não sigilosa.
- Divulgação irregular de atos processuais sigilosos, principalmente os do juízo corregedor — que possuem o nível máximo de restrição.
Há ainda a hipótese de falha em algum sistema nacional, como o Códex, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), alimentado por tribunais de todo o país. Até o momento, porém, não há confirmação.
A Defensoria afirma que agir caso a caso não resolve o problema:
“É um universo infinito. Sem identificar a fonte do vazamento, o problema continua”, disse Gabriele.
3. O impacto real na vida dos adolescentes
O vazamento tem provocado consequências diretas e severas na vida dos jovens expostos.
Entre os casos já identificados:
- uma adolescente foi demitida após o empregador encontrar seu processo na internet;
- um estudante abandonou a escola depois de ser reconhecido;
- vários relataram constrangimentos e estigmatização.
O g1 conversou com o pai de um adolescente inocentado pela Justiça, mas que teve o nome parar nos sites jurídicos.
“Se digitava o nome dele, aparecia o processo”, contou.
“No prédio, o segurança avisava no rádio: ‘menino chegou, toma cuidado’, como se ele fosse um ladrão.”
O jovem passou a apresentar sintomas de depressão e hoje estuda em regime domiciliar.
4. O que diz a lei e quais são as penalidades
O ECA determina que é proibida qualquer divulgação — total ou parcial — de informações que identifiquem crianças ou adolescentes envolvidos em atos infracionais.
Isso inclui:
- nome;
- idade;
- detalhes do ato infracional;
- números e dados de processos;
- documentos e imagens que permitam identificação.
A infração pode gerar multa de 3 a 20 salários de referência, dobrada em caso de reincidência.
A Defensoria afirma que também cabe indenização aos jovens prejudicados.
5. O que dizem TJ-SP, CNJ e os sites citados
TJ-SP
O Tribunal de Justiça de São Paulo afirma que não houve falha interna, segundo auditoria da área de TI.
Alega que os dados teriam sido obtidos por “meios externos”, sem relação com seus sistemas, e que não pode retirar conteúdos de sites privados sem ordem judicial.
CNJ
A Corregedoria pediu esclarecimentos ao TJ-SP e disse não ter encontrado indícios de falhas sistêmicas que justificassem medidas mais duras.
O órgão também mencionou ter recebido apenas dois casos — número contestado pela Defensoria.
Escavador
A empresa:
- lamentou a exposição;
- afirmou apenas reproduzir dados já tornados públicos em bases oficiais;
- disse ter removido imediatamente as páginas citadas;
- afirmou ter identificado que os processos estavam classificados como públicos em bases ligadas ao Judiciário;
- colocou-se à disposição para colaborar.
Jusbrasil
O site informou que:
- usa mecanismos automáticos para desidentificar informações pessoais;
- oferece remoção imediata quando solicitado;
- já desidentificou mais de 15 milhões de processos.


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